domingo, 19 de dezembro de 2010


Cheiro de Natal 1

Depois de um longo inverno e uma preguiçosa primavera quando deixe de escrever no meu blog, não por ter parado de fazer meus pães, que não sei ficar sem eles, mas pela falta de inspiração para escrever. Agora retomo ao meu blog com um bom motivo: a tradição do Natal. A tradição de trocar presentes, das festas nas empresas, de reunir os amigos e familiares, se soma, para mim, a uma nova tradição de poucos anos, talvez ainda um costume, mas que me dá a oportunidade de fazer o que gosto: um pão especial que distribuo um para cada casa dos meus familiares. Este ano serão onze, e deve crescer a cada ano, com novas famílias sendo constituídas (certo sobrinhos?).
Na verdade faço esse pão apenas em duas ocasiões: em Dezembro, para o Natal e em Outubro para que o meu grupo de corrida do desafio Bertioga-Maresias possam manter a energia durante os 75 kms.
A receita original desse pão eu peguei no site www.allrecipes.com (tem receitas de tudo, inclusive, é claro, de pão). O nome dele é “Favorite Old Fashioned Gingerbread”. É um pão bastante condimentado com especiarias como canela, gengibre (ginger) e cravo. Eu incrementei a receita adicionando noz-moscada, uvas secas e castanha do Pará. A noz-moscada por influência do doce da vó que é feito na família da minha esposa, seguramente por mais de 50 anos ininterruptos (isso sim que é tradição - depois eu conto mais sobre ela). Inclui uvas secas e castanha para adicionar um toque de Natal ao pão. Além disso, é ótimo para os corredores, pois repõem as energias e combate os radicais livres liberados durante a corrida. Completa a receita açúcar mascavo (na original era açúcar refinado) e melado de milho (Karo). Dá pra ter uma idéia de quão calórico ele é. A primeira vista pode ser um ponto fraco, mas não é. Para não abusar nas calorias, come-se pequenos pedaços, e com isso ele dura mais, saciai a vontade por vários dias. Não se esquecendo dos corredores, pois as calorias que ele proporciona é o combustível para vencer as areias, subidas e descidas de Bertioga a Maresias. Tudo planejado? Não, talvez uma feliz escolha.
Quando está assando e enche a casa com o seu cheiro, o Natal vem à mente. É para mim um dos cheiros do Natal. Por se tratar de um pão com especiarias, ele fica melhor com o passar dos dias, pois elas vão se depurando, se misturando e enriquecendo o sabor. É realmente um pão para se apreciar, sentir cada um dos sabores, um treino para o paladar.
Como toda tradição, no começo é rejeitada, depois admitida e finalmente esperada. Assim espero que esteja acontecendo com esse meu pão, que ainda não tem nome. Talvez será o “pão-do-vô”, quando um dia, minhas filhas me derem essa suprema felicidade, e colocarem pela primeira vez na boca dos netos um pequeno pedaço...

sábado, 10 de julho de 2010

Pães que não vão ao forno


Como meu forno elétrico deu pra não assar direito – acho que o sensor de temperatura deve estar com defeito e, meus dois termômetros de forno também bicharam – está cheirando a sabotagem, resolvi ir pra forra e fazer e escrever sobre um tipo de pão que não precisa de forno. O “Enflish Muffin”

O English Muffin é assado em uma chapa, como essas usadas nos bares pra servir a tradicional média com pão e manteiga (na chapa, claro). Eu tenho uma chapa que veio com um fogão antigo e que nunca me desfiz dela. Mas pode-se usar aquela chapa de ferro fundido que tem cabo, parecida com frigideira.
Diz a história que o ‘English Muffin” surgiu na Inglaterra na era Vitoriana consumido pelos serviçais. Era inicialmente feito com sobras de massas de pão, grelhadas na chapa, o que faziam os muffins ficarem leves e crocantes. Porém quando as classes mais abastadas descobriram como era bom comê-los, os muffins foram valorizados e consumidos por todos. Surgiram fábricas por toda a Inglaterra e podia se ver os “muffins men” vendendo seus muffins carregando em seus ombros bandejas de madeira. Isso perdurou até o começo do século passado. Os “muffins” são tão tradicionais na Inglaterra que há até uma cantiga de ninar inglesa que diz:

Have you seen the muffin man, the muffin man, the muffin man?
Have you seen the muffin man who lives in Drury Lane?

A palavra “muffin” é originária do francês “mouffet” que significa macio quando se refere a pão. Não se deve confundir o “Englisn Muffin” com o “Muffin” americano que é um bolinho ou “cupcake”.

A massa do “English Muffin” é mais elaborada que a do pão frances, pois além de água, sal, farinha e fermento, vai leite, gordura e açúcar, o que dá mais macies e durabilidade ao pão.

A receita básica do “English Muffin” é:
½ xícara de leite morno; ½ xícara de água morna; 1 colher de sopa de açúcar; 1 colher de sobremesa de sal; 2 colheres de gordura (uso manteiga de forno e fogão derretida – tem pouca gordura saturada); 3 xícaras de farinha e 1 colher de sobremesa de fermento ativo seco.
Dissolva o açúcar e o fermento no leite e água, deixando repousar por 5 minutos para ativar o fermento. Enquanto isso misture a farinha e o sal. Junte aos poucos o fermento ativado e trabalhe a massa até ficar macia e homogênea. Deixe repousar por ½ hora, ou até dobrar de volume. Forre uma assadeira com papel manteiga e polvilhe com farinha de milho. Abra a massa na espessura de mais ou menos 1 cm. Recorte os muffins usando a boca de um copo, ou uma lata de atum. Coloque na assadeira e polvilhe farinha de milho sobre os muffins. Deixe-os crescer por mais ½ hora. Por fim, aqueça uma chapa asse os mufins por 10 minutos de cada lado. Para servir, corte o “English Muffin” ao meio e coloque em uma torradeira. Coma no café da manhã, bem tostado com manteiga, frios ou geléias.

Esse era o pão que eu e minha família comíamos todas as manhãs quando moramos nos EUA. Hoje a cada fornada que faço, vem a lembrança das compras no supermercado dos “English Muffins” e os complementos “half pound of turkey ham and suisse cheese”.

Numa próxima postagem vou falar sobre outros tipos de pães que usam outros métodos de coação – ato de cozer o pão, como os Bagels que são cozidos e só levados ao forno para criar a casca.

Com licença, pois a torradeira já destravou e meu “english muffim” tostadinho me espera para um delicioso lanchinho...

domingo, 13 de junho de 2010

Livros de pão e experiência com fermento


Na mesma época que comprei a minha primeira máquina de pão, quando estava trabalhando nos arredores de Boston, lá nos idos de 2000, comecei a me interessar por livros de pão. Perto do hotel tinha uma filial de uma das mais famosas livrarias dos USA – Barnes & Noble. Um mundo para quem gosta de livros. Acha-se de tudo inclusive livros de culinária e mais especificamente de pão, que me causou surpresa devido a quantidade e variedade de títulos. Foi aí que comecei a minha coleção. Hoje tenho mais de 20 livros com muitas histórias, técnicas e receitas de pão. É incrível a variedade de pães. Um dia ainda vou classificar todos os tipos que aparecem nesses livros. Tenho um livro que ganhei das minhas filhas Mayra e Renata. Chama-se Pão da Paz do Paulo Braga onde ele apresenta 195 pães diferentes cada um típico de um país membro da ONU. É um livro maravilhoso, com um pouco de história do pão de cada continente além da receita e lindas fotos de cada deles.
Hoje quando vou a uma livraria, fico garimpando livros de pão. Tenho achado várias pechinchas e claro não perco uma. Minha próxima aventura será garimpar em cebos. Livros de pão toraram-se presente para mim. Tenho ganho vários. Hoje mesmo a Mayra me trouxe um de Londres que a Renata comprou para mim. Muito interessante: além de receitas, conta a história do pão acompanhando a evolução da humanidade.
Cada livro trás novidades, novas experiências de como trabalhar a massa, como fazer diferentes formatos, variedades de misturas, etc. Um verdadeiro fermento para a minha curiosidade. Um desses livros mostrava como cultivar um fermento que se alimenta de farinha e pode permanecer ativo por décadas. E quanto mais velho, mais concentrado e mais rico o sabor do pão. Alguns se referem a ele por desem, outros levain. Fazê-lo é um processo trabalhoso que requer cuidados metódicos para manter a temperatura e a “alimentação” periódica para não deixar o fermento “morrer”. Fiquei curioso e tentado a fazer, mas logo vi que a dedicação que meu trabalho exige não iria me permitir fazer essa experiência. Coincidentemente, há algum tempo atrás saiu uma reportagem no Estadão contando que algumas padarias tradicionais de São Paulo, especializadas em pão italiano, conservam um fermento há mais de 100 anos. Há pouco tempo atrás, visitei uma delas. O padeiro me mostrou o dele e que para mantê-lo vivo deveria retornar à padaria naquele mesmo dia, por volta das quatro da tarde, só para adicionar mais farinha.
Há um processo mais rápido de se fazer um fermento de massa (levain), que só requer de 4 a 6 horas, mas claro não deixa no pão a marca de anos de aprimoramento. Porém adiciona mais sabor e leveza ao pão.
Hoje fiz um pão usando levain – vejam a foto. A massa ficou muito maleável e o resultado final foi um pão saboroso, de crosta rígida e miolo mais denso. Recheei com pedaços de queijo tipo coalho que armonizou muito bem com a massa. Reunimos parte da família e comemoramos com esse pão e deliciosos capuccinos, chococcinos e outros ccinos o trigésimo aniversário da Mayra. Parabéns e um beijo para ela.

domingo, 23 de maio de 2010

Primeira receita e um pouco de história


Como escrevi anteriormente, usando uma grande variedade de ingredientes, podemos criar pães para vários gostos e ocasiões. Pães salgados ou doces, recheados ou condimentados, para acompanhar o café da manhã ou uma refeição, para ver, cheirar ou saborear. Um pão que gosto muito, é um bom companheiro de café com leite quentinho e também nutritivo é o pão de aveia. A farinha de aveia é muito fácil de se achar em supermercados, fica junto das aveias em flocos ou flocos finos. Esse pão é mais sofisticado que o básico mencionado no post anterior, mas o modo de preparo é semelhante. Vamos aos ingredientes: 2 + ¼ xícaras de farinha de trigo, 3/4 de xícara de farinha de aveia, 1 xícara de água, 2 colheres de sopa de óleo – girassol ou canola, 2 colheres de sopa de açúcar, 1 + ½ colher de chá de sal, 1+ ½ colher de chá de fermento biológico seco instantâneo – vendido em envelopes de 10gr. ou 1 tablete (15gr.) de fermento fresco.
Misture em uma vailha grande a farinha de trigo e farinha de aveia e reserve. Misture a água, óleo, açúcar e sal. Se for usar fermento fresco, misture-o com 1 colher de açúcar e depois adicione ao líquido. Se for usar fermento seco, misture diretamente na farinha. Adicione aos poucos o líquido à farinha até obter uma mistura homogênea. Trabalhe a massa conforme descrito no post anterior, escolha um formato para o pão – prefiro redondo como broa, ou vários pãezinhos. Se preferir, antes de ir ao forne, pincele com clara e salpique flocos de aveia. Asse em forno a 200 oC por aproximadamente 30 minutos – de uma olhadinha de vez enquando para ver se já está “light brown”. Desfrute primero o cheiro, depois o sabor de uma fatia quentinha desse pão saudável.
Como me dá cosquinhas para contar histórias, lá vai mais uma:
Trabalhar a massa com as mãos dá a sensação de intimidade, mas as vezes não há tempo e devo confessar vontade de fazer tanto exercício. Assim, comecei a cobiçar uma máquina de pão. Na época, por volta do fim do século passado – não faz tanto tempo assim como a frase pode sugerir, não havia máquina de pão a venda no mercado nacional. Ficava vendo sites de lojas nos USA e cobiçando aquelas maravilhas que faziam tudo sozinhas. A oportunidade surgiu quando no final de 2000 fui trabalhar por alguns meses na região de Boston. Fomos todos para lá – mulher e filhas passar as férias de fim de ano. Havia uma loja de departamentos chamada Bradelles – já conhecíamos desde a primeira vez que moramos lá por mais de um ano, que estava liquidando tudo. Para nossa surpresa estava fechando – “out of business sale”. Passeando pela loja, para aproveitar a liquidação, achei a minha primeira máquina de pão por uma pechincha: $43,00. Comprei na hora, e lá fomos nós para o hotel com o meu mais novo brinquedo. Nós quatro estávamos hospedados em um flat onde havia uma cozinha integrada a sala e ao quarto. Era muito conveniente, porque podíamos fazer nossa comida. No inverno de –20 oC nem sempre é agradável sair pra comer. Outra vantagem de estarmos os quatro em um mesmo quarto foi a convivência e intimidade que uniu ainda mais a família e pode nos mostrar e aceitar as diferenças e semelhanças de cada um vividas 24 horas por dia. Ter a cozinha integrada ao quarto, produziu uma surpresa que nos faz lembrar do local, depois de muitos anos, pela memória olfativa. Fuçando no manual da máquina, descobri que podia programá-la para que o pão ficasse pronto na manhanzinha do outro dia. Coloquei os ingredientes na ordem sugerida, e programei para o pão ficar pronto por volta das 7:00hs. Lá pelas 6:45, acordamos com um aroma maravilhoso que preenchia todo o quarto. Era o cheiro do meu primero pão feito na minha primeira máquina de pão...

sábado, 15 de maio de 2010

Então, vamos por a mão na massa



Para quem está lendo sobre pão pela primeira vez, talvez isso tudo seja um pouco massante, mas estamos falando de massa não é mesmo?
O processo para se fazer um pão passa por misturar os ingredientes, trabalhar a massa, descansá-la, moldá-la, novo descanso e finalmente assá-la.
A massa básica de pão se faz com farinha, água, sal e fermento na proporção de 1: 0,7 : 0,02: 0,02. Os ingredientes devem ser misturados em uma vasilha até que se tenha uma mistura homogênea.
A próxima fase, trabalhar a massa, é a meu ver a mais importante, pois é nela que se mistura ar e dá vida à massa. Literalmente põem-se a mão na massa. É um manuseio cuja beleza é ver a transformação de uma mistura pegajosa em uma massa macia e elástica. Muitos chamam essa fase de sovar a massa (de dar uma sova, surra), porque o manuseio tem que ser firme e vigoroso, mas surra é o que a coitadinha não merece. A técnica que uso me foi ensinada pela minha sogra, que vem dos ancestrais italianos. Com a mão esquerda segura-se a massa e com a direita empurra-se formando um sulco. Com os dedos da mão direita enrola-se a massa sobre o sulco, aprisionando-se ar – veja fotos. A seguir amassa-se com as duas mãos, formando-se uma bola. Repete-se tudo de novo por mais ou menos 20 minutos.
Depois de toda essa “surra” é hora da massa descansar (e o padeiro também). Deve-se deixar a massa em uma vasilha coberta com um pano em um local morno e isolado, por aproximadamente uma hora, onde com a fermentação irá fazê-la crescer até dobrar de volume. É no descanso que se desenvolve a estrutura e se aprimora o sabor, tal qual nós, os corredores, que após um treino longo, descansamos para aprimorar a resistência.
Com a massa descansada e crescida, começa a fase da arte de moldar o pão, onde toma a sua forma final. Essa é a hora da criação, de explorar a sua habilidade manual, sua criatividade.
Depois da massa assumir sua identidade, volta ao descanso – mais meia hora – para adquiri maturidade e ficar pronta para se expor ao mundo, virar pão.
Finalmente vai ao forno, onde o calor encerra o processo de fermentação, e quando estiver pronto, enche o ambiente com o mágico cheiro de pão.

Esse é só o pão básico. Porém, usando diversos tipos de farinhas, óleos, açúcares, sementes, essências, bebidas (até a nossa cachaça), recheios, temperos; modificando o modo de preparo e os formatos e, usando-se imaginação e criatividade, pode-se ter uma infinidade de tipos de pães, mas isso é assunto para várias outras postagens...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Porque pão e como tudo começou

Eu acho que já nasci engenheiro. Sempre tive curiosidade em saber como as coisas funcionam, como passar da teoria para a prática, como criar algo a partir de idéias. Quando era moleque passava várias tardes de sábado na fábrica do meu pai, que ficava nos fundos da minha casa. Lá ele fabricava com habilidade e criatividade abatjours e luminárias. Depois que os empregados iam embora - ainda se trabalhava nas manhãs de sábado naquela época - ficava reinando com madeira e metais tentando fazer mil e uma coisas.
Me lembro que em uma época fiquei fascinado de ver na enciclopédia Conhecer como funcionava o motor a vapor. Era uma maravilha ver como o vapor de água saindo da caldeira, passava por dutos e válvulas engenhosamente posicionadas para mover o pistão. Fiquei tão maravilhado que me meti a fazer um. Lá fui eu nas tardes de sábado lidar com tubos e chapas de latão, furadeira, solda e politriz. Consegui chegar a fazer o pistão e o mecanismo que o sustentava, mas tanto a técnica como a habilidade não me permitiram seguir a diante.
Mas o que tudo isso tem a ver com pão? Descobri há mais de dez anos atrás que fazer pão podia satisfazer essa minha mania de criar, ver as coisas tomar forma, misturar varios ingredientes seguindo uma receita para produzir algo novo.
Tudo começou quando minha sogra me ensinou como lidar com a massa. Ela aprendeu com a avó e tios italianos que faziam pães em casa seguindo a tradição em forno a lenha. Me ensinou como fazer o fermento, juntá-lo com farinha, sal e água. Me mostrou o ponto exato da massa e finalmente como sová-la até que ficasse uma massa macia e lisa. Depois de muitos anos, fui ver nos livros que todos os detalhes que ela aprendeu na prática tinha uma explicação teórica e que o seu método estava reproduzido em vários deles...